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Sanshiro

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"Sanshiro", de Natsume Soseki. (Estação Liberdade, 2013, 272 páginas)

“Sanshiro”, de Natsume Soseki. (Estação Liberdade, 2013, 272 páginas)

Sanshiro, é um romance sobre o personagem título: um jovem do interior que vai para a universidade na capital, serializado em 1908 no jornal Asahi Shinbun, para o qual o autor escrevia. Se, por um lado, retrata a vida universitária e a modernidade que vinha surgindo no Japão durante a era Meiji (1868-1912), retrata, por outro lado, a pouca familiaridade de um jovem interiorano frente à diferente vida em Tóquio.

No primeiro capítulo, ainda no trem para Tóquio, Sanshiro encontra uma mulher que, com medo de caminhar sozinha à noite, acaba o convencendo a irem juntos a uma pensão. Dormem no mesmo quarto e ela dá indiretas bem diretas de suas intenções: pede apenas uma cama para os dois dormirem, entra sem roupa no banheiro quando Sanshiro está no banho. Após o jovem, sem jeito, fingir que nada está acontecendo, a mulher, no dia seguinte, diz uma frase que acompanha o personagem: “Você não é lá uma pessoa muito corajosa, não é?”.

Sanshiro, o personagem, vem de Kumamoto para estudar literatura inglesa. Apesar de tímido, logo cria um círculo de amizades, nenhuma delas por iniciativa própria. Nonomiya foi-lhe recomendado pela mãe, por ser conterrâneo; Yojiro, seu expansivo colega de classe, força a relação dos dois; Mineko, é amiga dos outros dois, e, mulher moderna da capital, demonstra seu interesse por Sanshiro – que se apaixona por ela em sua primeira aparição na história.

Os diálogos de Sanshiro com Mineko são o ponto alto do romance. Ela, sutil e delicada ao dar sinais de seu interesse; ele, devagar e inseguro sem saber como interpretá-los. A diferença entre os dois não é apenas de costumes do interior e da capital: é de personalidade também. Sanshiro é introvertido por natureza e não tem experiência com mulheres, enquanto Mineko, embora por vezes distante, é mais acolhedora. Yojiro e mesmo Nonomiya já compreenderam o interesse de Mineko nele (e dele nela), e o inocente Sanshiro ainda não entende o que está acontecendo. Em certo ponto da história, em sua frustração, Sanshiro resolve desistir de Mineko, achando que ela está zombado dele por ser do interior.

Outra parte interessante do romance são as trocas de cartas do personagem com sua mãe. Através delas, vemos a ideia que as pessoas do interior (que aqui representam a tradição e o Japão) têm das pessoas que vivem na capital (representantes da modernidade e ocidentalização). Indecisos, não confiáveis, estranhos e arrogantes – ideia compartilhada por Sanshiro no início do romance, e que vemos aos poucos mudar, com o correr da história.

Natsume Soseki (1867-1916) dá bastante importância à construção psicológica de seus personagens, e em Sanshiro faz isso de forma leve e agradável. Parte disso, pela tradução de Fernando Garcia, em um texto fluido e explicativo. Diversas notas de rodapé sobre o texto, contexto histórico da época e vida do autor complementam e enriquecem a leitura. No entanto, alguns termos que precisariam de nota para um público brasileiro acabaram sem. Talvez fosse necessário, também, para uma segunda edição, uma nova revisão do texto: há diversos erros, de português ou apenas de digitação.

Soseki, que foi professor de literatura inglesa na Universidade de Tóquio, conta em Sanshiro uma história muito próxima a sua vida e, embora este não seja, certamente, um romance autobiográfico, diversos dos personagens são inspirados em pessoas do círculo de amizades do autor. Algumas das críticas que Yojiro faz ao sistema de ensino universitário japonês da época parecem refletir pensamentos do próprio autor, tido por muitos como fundador da literatura moderna japonesa.

É um livro repleto de questionamentos sobre a era Meiji, que trouxe o Japão para o século XX. Os personagens passam se deparando com as contradições, dualidades e conflitos da época ao longo de toda a narrativa. A temática do confronto entre as expectativas da sociedade contra as vontades e emoções do sujeito faz desse livro, segundo o próprio Soseki, o primeiro de uma trilogia, junto com E depois e O portal (o primeiro já lançado pela Estação Liberdade e o segundo no prelo).

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